
Cobramor
Terra queimada

Entre nós anuncia-se a fronteira
da matéria
a barreira que nos enlaça
à terra
a nossa pequenez enlameada
a nossa mesquinhez desgraçada
moldando universos em agonia,
todos os olhares desconhecidos
caem sobre nós falecidos
com a graça do
trovão
na suja praça
onde dorme quem só tem
o sono
não existem
sem confronto
como a morte são
ideia alheia e abstracta,
mas nem assim
os carnívoros passam fome
ou as árvores deixam ter nome
nem assim
deixa de haver certezas imperiosas
tatuadas em mim
com a brutalidade da guerra armada
Terra queimada Terra queimada Terra queimada
saque, pilhagem e violação
decapitação e escravidão
os pombos que deixam de voar
confrontam os carros
que uivam a acelerar
de olhar encadeante
como quem fere o amante
nas trevas
só em dias invulgares
que ninguém habita
percorremos todos os lugares
no desespero na fuga sem sentido
do meu interior fétido
nem assim me desapegando
ninguém vem
mas há paredes e recantos
e cresce um sufoco
um grito rouco:
- onde existe abrigo?
firmeza onde assentar
certeza onde repousar
cabeça e finalmente descansar
do esquema de espiões falidos
consumidos em conspirações
Um dia
um dia deixar-nos-emos cair
num sítio qualquer
para sempre.