
Cobramor
Sobras de poder

o nosso estio expirou
há muito que se extinguiu
o brilho dos astros no nosso olhar
só mais um gole
só mais um
e estaremos a postos para esta comédia decadente
em que o divino está ausente
o shaman já não dança
sob a lua
dura, cruel e crua
menstruado o deserto
é incerto o destino
de cada peregrino
perdido o misticismo
restam as ovelhas lideradas
ao matadouro
seremos ascetas
seremos santos
seremos escravos
seremos ladrões
seremos criminosos
fúria e devaneio desgovernado
de um passado desejado em tumulto apaixonado
invocando
a chama da revolta
pulsando
em cada tecido desenfreado
infectando
cada órgão esfomeado
contra
os portões encerrados
um aríete
em cada promessa
assim regressa
vida ao nosso sangue
bulício pelas ruas
da blasfémia e da heresia
até ao precipício
- sigam-nos!
em deleite
para Marte
e quando os nossos fluídos
escoarem unânimes
em cada despertar
uma nova ocasião
para renunciar
ao edificado
mundo de ouro e ídolos
então, sacrificado o privilégio que liberdade resta?