
Cobramor
Morte aos tempos mortos

avanço
sem deixar rasto
em cada dia
me desgasto
mudo e solitário
solitário mudo de flanco
profanando o mito
planetário produzido
em cadeia pela ideia
que o visível é passível
de parir o impossível
com um único golpe
derrubado em cada frente
as retiradas evitadas
pela reação persistente,
renuncio ao evidente lucro
da comodidade presente
que me perverte na facilidade
dos comuns mortais,
imodestamente
aspiro à divindade
já que floresço no lodo
de todo o mundo forjado
pelo baixo-criador
acolho a pobreza melhor
do que faria com a nobreza
oferecida pelo meu senhor,
a imparável expansão
no pequeno quarto gasto
maior do que numa mansão
bem-aventurada sobrevivência
na fonteira da subsistência
cada nova investida na cidade
ainda a velha vida de insanidade
os amigos desempregados
os colegas explorados
apaixonados & obstinados
sabendo e padecendo
apenas por aqui estar
planeando fugas ao luar
nas madrugadas inspiradas
pela eminência do cativeiro:
a exigência de poder
saborear o poder
que jamais se poderá deter
- morte aos tempos mortos
- morte à vida que é ingerida
que o passado seja enterrado
com o produto danificado
cada estilhaço e cada bocado
irremediavelmente estropiado
perder a recordação
como quem perde
a sua emancipação
para brotar da raiz
rebentar tudo
na sua trajetória
em cada pestanejar
uma nova glória
para admirar
estranhos ao absoluto
salvo conduto para
os inícios permanentes
até que a dor.
a dor que faz latejar os dentes
a dor que faz estalar os ossos
a dor que faz curvar o tronco
a dor que faz encostar-nos à parede
por habituação e dever
a dor que nos fez ceder
se metamorfoseie
no ardor que nos fez querer
o sofrimento integral
da existência distinta
em cada momento
impaciente e faminta
claro, o dia
declaro a tardia jura à mudança
não à herança dos milénios
não à limitação da estrutura
não à maquinal herança civilizacional