
Cobramor
Então o deserto

subjugados pelas trevas
faróis alojados entre o fumo
denso
calçada cintilante
solidão gritante no cortejo
nas avenidas
inesperadamente colonizadas
com fachadas
decoradas tempestivamente
folhas metalizadas espelham
o desterro da iluminação
a sugestão de psicótica nudez
o culto da repressão
asfixiada no tumulto
luxuriante
serpenteantes cigarros ateados
empunhados por tementes
operários e executivos
entrincheirados no espectáculo
do desinteresse simulado
a pele de tão calejada e rija
clama por ser subjugada
como anjos despedaçados
nos becos sujos
mergulhados
em tenebrosidade
matéria da ostentação
propaga a ambição
arrebatada
no desalento
habitação do desmoronamento
da memória
sinto
sinto que
sinto que se fossemos bem
até ao fundo
até ao núcleo
sem perder um segundo
nos depararíamos com o sublime
praticando o amor verdadeiro
como um delito
apartado da avidez
da possessão
da frigidez
da concupiscência
cercando a transcendência
como força da natureza
como altar aos deuses
primitivos
finalmente
finalmente a onda do êxtase
penetra
todos os ventres
que entumecem
de sangue e destruição
a galopada avulta-se
a galopada amplia-se
metamorfose no ocaso
e o clímax raiando
numa pose transitória
da violência
inflamatória
depois,
só depois
o abandono
e então,
então sim
o deserto