
Cobramor
Dispara primeiro

Há sempre um relógio
numa marcha imparável,
um ritmo certo
com um fim mensurável
há sempre a terra
que nos aguarda
e um ocaso
que não tarda
sempre unido a nós
no reino das
pequenas mortes
que se ocultam no ínfimo
destrutivo
do gesto cativo
há sempre a ténue substância
atrás dos sentidos,
a mecânica dum corpo
alvo de terrorismo
desleixo, abuso e
à beira do abismo
cessa sem aviso
há sempre tempo para tudo
tempo para adiar
tempo para desperdiçar
tempo de viver
no movimento que nos empurra
para a pressa
na mastigação ou
na devoção
desmembramento de nós
inflar o medo
de abstração
como o predador que ilude a presa
perdendo da visão
o sagrado
até nos sangrarem a face
com a agressividade duma
ressurreição
e já se faz tarde
oh Deus
tão tarde se faz
e eu que precisava de
séculos
para a contrição
para a justiça,
precisava duma outra existência
o caos da identidade
perdida em alienação
esbanjada em espectáculo
e maniqueísmos
que premiam a pele como
agulhas mesmo
no olho da dor
não há momento para o cinzento,
a fundação é firme
para a extrema unção
em caso de dúvida
dispara primeiro, pergunta depois
a posteridade, de asco ou não
recordará a humanidade
em bondade beleza e
jovialidade,
que se espalhe o Bem
e a Virtude
até ao vómito
que se deem ainda
desculpas sentidas
e pais nossos
pois o cortejo traja
sempre de Negro
passa com ar pesado
não suporta o passado
pára no portão de aço trabalhado
brilha, envernizado
ao sol matinal
enfeitado de nostalgia,
a catacumba permanece armadilhada
aguarda ansiosa e sequiosa,
enquanto posso
como
bebo
fodo
cago
como um animal
Feliz