
Cobramor
A Grande Solidão

A disforme constituição
do corpo que abdica
o cansaço que não passa
o insuperável fastio que fica.
Minutos traidores
instantes desertores, então
a tristeza que se sucede
ao saber que o melhor
se despede barbaramente
rompendo as células
aniquiladoramente
Arrastam-se os pés
com as costas arqueadas onde
nada encontra correspondência
até à raiva discreta
que brota da impotência
como veneno-rápido
a conspurcar a nossa alma
com A Grande Solidão
Depois a sofreguidão
louca alta e esmagadora
clama que chegou a hora
de destemidamente resgatar
todo o ápice forjado
no supérfluo furtado,
imperdoável e heroico
atentado contra a divindade
distante e ofegante chance na
fatalidade da vacuidade
Sem outra saída que não
vencer como o ladrão
no silêncio nocturno
quando a lua vai alta
sobre o corpo taciturno
que acusa ausência e falta
desfalece e repete
desfalece e repete
todos os dias
Em conjunto desertamos
no impraticável sonho húmido
com todos os que amamos
nectarina lembrança perdida
sufocada sob o jugo da burocracia,
invocamos
uma fogueira faustosa
auto-da-fé do que fomos
cobertos pelo passa-montanhas
para além do reconhecimento
entramos no carro, é o momento
despertar brusco das imparáveis trevas
que perfuramos como uma seta
letal
deixaremos o corpo repousar
em qualquer lugar
na neoplasia duma fantasia
sem esperança nem segurança
entrega translúcida de
poder morrer por não saber
como fazer melhor do que isto